quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O que teria mudado?

(texto de Inajá Martins de Almeida)

Segundo dados da Câmara Brasileira do Livro(*), no Brasil são produzidos mais de 320 milhões de livros por ano, o que corresponde a 1,4 livros por pessoa – muito pouco comparado a outros países; apenas um terço da população aprecia, ou tem o hábito da leitura; entretanto, em tempo algum se falou tanto em livros, leitura e bibliotecas, como em nossa época – eu mesma tive a oportunidade de implantar mais de sessenta bibliotecas durante o período de 2000 à 2004 na cidade de Ribeirão Preto, no magistral Programa Ribeirão das Letras, quando então Coordenadora de Bibliotecas.
Em tempo algum na história, jamais se viu tantas pessoas se irmanaram de forma tão ávida para minimizar dificuldades de expressão, de comunicação produzida pela falta de leitura crítica – aquela leitura que dá ao indivíduo condições de poder interferir na sociedade, como gerador de opinião, de partícipe em mudanças sociais, profissionais, políticas, familiares – como em nossos dias.
Há todo momento vemos em diversos veículos de comunicação – revistas, jornais, internet – enquete ser lançada, buscando explicações para o fato de que se lê pouco, mesmo assim os números continuam alarmantes – “pouco se lê no Brasil”.
Nascida numa família de leitores, onde os recursos financeiros eram limitados, não nos preocupávamos com os preços dos livros, como nos dias atuais, pois meus pais abstinham-se de algo, para comprar livros e formar nossa biblioteca, que na década de 1960 já possuía um acervo aproximado de 1.500 títulos.
Os amigos e parentes que freqüentavam nossa casa se deslumbravam com aquela pequena biblioteca particular; assim digo com orgulho que nasci entre livros e leitores. Minha avó no interior paulista aprendera a ler praticamente sozinha e lia vorazmente livros e revistas, ao que lhe proporcionava falar com desenvoltura e fluência, além de apreciar a boa música que soava do acordeão de sua filha. A biblioteca da cidade [Araras/SP] com seus mais de 30.000 livros fornecia títulos aos seus leitores, que a buscavam com sagacidade; era um passeio obrigatório para os que vinham de outras localidades passar férias, assim como a leitura de bons romances.
Hoje, contudo, vemos as bibliotecas públicas com pouca freqüência, mas, as lan houses abarrotadas de jovens; os jogos eletrônicos serem procurados em larga escala; fala-se em pouco tempo para leitura, e no alto custo dos livros, mas os aparelhos eletrônicos marcam recordes em vendagem. Em cada lar pode-se encontrar mais de um televisor, dvd, aparelhos de som – que infeliz contradição; não se questiona preço dos eletrônicos, pagos em prestações a perderem-se de vista, entretanto questiona-se o preço do livro (o que faz o marketing!). Horas infindáveis são dedicadas a esses aparelhos, mas, para a leitura não se tem tempo – será que ler é chato? - meu amigo, professor e incentivador Jayme Pinsky.
Já não se vêem mais os saraus musicais nas casas – eu convivi e jamais me abstenho das partituras musicais, dos livros, da leitura e, claro, das bibliotecas; já não se abrem mais as janelas das casas, para a boa música invadir as calçadas e alcançar seus transeuntes, ou aqueles que nela estejam sentados. Ah! Lampião de gás – quanta saudade você me traz.
Hoje as calçadas são tomadas por cadeiras, nos barzinhos que se proliferam; conversas banais são jogadas aos gritos, encoberta pelo som altíssimo de letras e músicas de pouca qualidade. Há um vazio tremendo. Nas escolas, como nos alerta Ruth Rocha, “contrata-se professores que não gostam de ler, todavia, não se contrata um professor de educação física que não goste de nadar”. Aí eu pergunto – o que teria mudado? E, tomando carona nas palavras de Machado de Assis questiono: - “mudaria o natal, ou mudei eu?”.
Tempos modernos, aonde nos levará afinal? Não me preocupo com a geração do século vinte, preocupo-me, sim, com a geração do século vinte e um, porque, como alertava o apóstolo Paulo em suas cartas, em especial aos Coríntios “se com a língua não falarmos palavras bem distintas, como se entenderá o que dizemos? Estaremos como que falando para o ar” e acrescenta que “ há infinidade de sons e, contudo nenhum sem sentido, e que se não soubermos interpretar esses sons, seremos como bárbaros para o que fala, assim como bárbaros para o que ouve”. (1ª Co 14:9/11)
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(*) artigo publicado em 18/3/2008 através do site


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