por Inajá Martins de Almeida
O ano 1997. A cidade Ribeirão Preto / SP.
Eu então bibliotecária numa grande universidade. O trabalho ideal. Um sonho de
poder estar entre livros sempre, quando de repente um susto - Minha mãe está com
câncer.
Setenta anos de idade. Vigorosa. Amável. Alegre, agora é colocada à
prova ante o descompasso das células a guerrearem internamente.
Visitas a médicos e hospitais tornam-se
constantes. Todavia, livros e conversas com professores da área médica são
nossos aliados.
O tratamento árduo.
Quimioterapia. Cesiomoldagem (o isolamento, a solidão das quatro paredes frias,
os livros, as orações faziam companhia). A operação. A radioterapia, sempre na
sequência médica habilmente programada pela equipe do Hospital de
Clínicas.
Em casa e no ambiente de
trabalho as informações chegavam através dos livros e dos professores que, ao
mesmo tempo em que compartilhavam o
conhecimento, absorviam a experiência vivenciada pela paciente e seus familiares.
Os livros, portanto, tornaram-se então elementos fundamentais para que todo o processo longo
e doloroso fosse abreviado.
Minha mãe, ávida pela cura, acompanhava os textos,
compartilhava com os profissionais e com satisfação ainda comentava, mesmo em
meio a tantas dores:
- “minha filha me traz livros para eu ler e me informar”.
Os anos puderam ser contados em cinco, até a
cura e a alta, mas os livros continuariam a lhe fazer companhia constante.
Minha mãe jamais deixara de ler, leitora que era dos livros e da vida. -
Anos após
partiria. A idade a todos cobra. Mas, nos momentos
derradeiros, a leveza do semblante deixava transparecer as leituras das linhas.
Tantas compartilhadas . Tantas deixadas. Minha mãe, elo fundamental.
Gosto
sempre de iniciar meus textos com um pequeno poema, entretanto, este ocupa seus espaços e salta para as linhas:
Entre livros nasci.
Entre livros me criei.
Entre livros me
formei.
Entre livros me tornei.
Enquanto lia o livro,
lia-me, a mim, o livro.
Hoje não há como separar:
O livro sou eu:
Bibliotecária por opção,
paixão
e
convicção.
Assim termino meus apontamentos, pois foram meus pais que me levaram às leituras das letras e da vida.
Grata portanto a mãe Dalila Salviato de Almeida que me acompanhou através das linhas do tempo e ao pai Nelson Martins de Almeida que me introduziu no universo das linhas.
Hoje não há como separar
as linhas nas mãos tecidas
às linhas que me teceram.
as linhas que me tecem
as linhas em que posso tecer
linhas que tecem o tempo
tempo que se transforma em linhas
linhas no tempo tecidas
tecidas ao longo do tempo
linhas que envolvem linhas
tantas linhas a envolver
só para quem encontra nas linhas
sentido para viver
entre as linhas do tempo
linhas levam tempo
tempo leva linhas
linhas deixam em aberto
novo tempo
entre linhas ...